Aurora, a deusa que abre caminho para o Sol
Ficou curiosa, pensando em como uma antiquíssima deusa grega virou símbolo de um programa de empoderamento para mulheres contemporâneas? Ou já adivinhou? Descubra aqui.
Ainda é noite quando Aurora, a deusa de dedos rosados, como a chama o escritor Homero, levanta de seu leito e vai abrir caminho para o Sol iniciar sua trajetória pelo céu. Aurora é a deusa que os romanos associam ao amanhecer.
Mas por que uma deusa relacionada ao amanhecer?
Contemplar o céu e acompanhar suas mudanças, sutis ou espetaculares, era muito mais do que um hábito para nossos ancestrais. Respondia a uma necessidade essencial de compreender e dar sentido para o que viam e sentiam do mundo.
No final de cada noite – e as noites deviam ser escuras nessa época em que o máximo de que se dispunha para iluminar eram velas ou tochas — o que mais poderia sugerir aquele espetáculo de luzes e cores se não uma oportunidade renovada de viver? Sobrevivemos a mais uma noite, deviam pensar, sacudindo a poeira do sono, cheios de alívio e de esperança. Alguns autores sugerem que a própria Aurora também se renovava todas as noites, para poder carregar suas luzes e vestir o dia.
Eos, o nome grego de Aurora, uma deusa muito antiga
Para os gregos, Aurora é Eos, e apesar de ser representada como uma mulher jovem, ágil e graciosa, coberta com véus cor de açafrão e imensas asas, é uma deusa muito muito antiga.
E como acontece com todas as deusas muito antigas, os atributos de Aurora/Eos são tão diversos que podem parecer até contraditórios. E talvez sejam mesmo, justamente porque refletem as complexidades da alma humana que os gregos conheciam tão bem.
Aurora/Eos, a jovenzinha de dedos rosados, não tem nada de virginal. Ela também é mãe. Teve, aliás, muitos filhos. Com Astreu, o deus das estrelas, dos planetas e de tudo que habita o firmamento, ela vai gerar os ventos: Zéfiro, Bóreas e Noto, além de Eósforo, o planeta Vênus que aparece no céu de manhãzinha. Com Céfalo (que alguns estudiosos identificam com o próprio Astreu), ela vai dar à luz Hesperus, o planeta Vênus que surge no céu ao entardecer. E caso você tenha duvidado que os gregos sabiam que estavam falando da mesma estrela, a resposta é: eles sabiam. Mas intuíam que para quem olha, os dois fenômenos expressavam movimentos diferentes da alma. Portanto, deviam corresponder a divindades diferentes. E assim, Eos tornou-se mãe de todas as estrelas do céu, da primeira até a última!
Os amores intensos e efêmeros de Aurora/Eos
A deusa do amanhecer também é famosa por seus amores, em geral intensos e um tanto atrapalhados, justamente com humanos. E deles surgirão dois filhos, Emátion e Mémnon, ambos heróis, ambos trágicos, o primeiro morto por Hércules e o segundo por Aquiles, durante a Guerra de Troia. E por isso você vai ver imagens de Eos desconsolada, representada com um jovem morto no colo. Nada a ver com a mocinha de asas cor de rosa. Ao contrário, uma verdadeira pietá, cujas lágrimas serão transformadas por Zeus no orvalho que umedece a terra pela manhã.
As histórias dos deuses gregos não tinham nada de bonitinhas. Eram tão difíceis e cheias de altos e baixos como as dos humanos.
Se você buscar Aurora ou Eos na web com certeza um dos primeiros resultados será o caso de amor mais intenso e duradouro da deusa. Castigada por Afrodite, que a encontrou na cama com Ares, Eos foi condenada a viver relacionamentos complicados com homens mais jovens. Um deles, o pai de seus dois filhos heróis, Títono, ela amou tanto que pediu a Zeus que lhe concedesse a imortalidade. Esqueceu-se, no entanto, de garantir que ele não envelhecesse e o pobre acabou vivendo a imortalidade como o pior dos castigos: eternamente envelhecendo, sem conseguir morrer. Algumas versões contam que um dia, desesperada, Eos teria transformado o amante encarquilhado e balbuciante, em uma cigarra, condenada a cantar seu triste lamento para sempre e a lembrar os homens que a busca da imortalidade esconde mais perigos do que imaginamos…